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Emprestar dinheiro a juros? Isso é coisa só para bancos… será? – Empresa Simples de Crédito (ESC) 16/05/2019

É recente, no Brasil, diálogos sobre educação financeira. Mas, apesar da ainda tímida ampliação do debate e do ensino sobre o tema, há bastante gente preocupada com a criação de reservas pessoais, fundos de liberdade financeira, etc. Em resumo: muita gente pensando em como fazer para aumentar seu patrimônio financeiro, com o mínimo de riscos e o máximo de resultados.

Proliferaram-se desde cursos de investimentos em renda fixa, sejam elas privadas ou no tesouro direto, até cursos prometendo ensinar as pessoas a viverem de renda variável, operações de trade e outros.

Mas, algo que nunca passava pela cabeça de ninguém era justamente fazer aquilo que as instituições financeiras fazem: emprestar o seu dinheiro, mediante juros remuneratórios.

A razão disso é muito simples: havia – e ainda há – muitos privilégios daquilo que podemos chamar de sistema jurídico-financeiro, o qual se destina exclusivamente a esse tipo de empresa. Porém, o alto número de pré-requisitos e burocracias é, em sua maioria das vezes, impossível de ser alcançado por pessoas ou empresas comuns. Desse modo, só conseguiriam tais privilégios aqueles que têm muitos recursos.

Todavia, surge para os investidores mais ousados, enfim, o que aparenta ser uma boa notícia: Emprestar dinheiro a juros não é mais uma atividade reservada exclusivamente para as instituições financeiras. Isso porque foi sancionada, recentemente, a Lei Complementar 167 de 2019 – a qual, dentre outras previsões, criou a figura das “empresas simples de crédito”.

Essa modalidade de empresa foi criada com várias limitações – algumas muito questionáveis – mas, no aglomerado geral, já passa a ser uma alternativa mais liberal para aqueles que não desejam depender exclusivamente de instituições financeiras para investir seu dinheiro!

A grande novidade é justamente essa: pessoas comuns, como eu e você, podemos abrir uma empresa simples de crédito e, respeitando os parâmetros trazidos pela normativa, é possível emprestar dinheiro para determinadas empresas licitamente, com a cobrança de juros remuneratórios que forem livremente estipulados entre as partes. Ou seja, não há aquelas limitações do código civil e/ou da famosa “Lei da Usura”.

Há um lado favorável para ambas as partes, tanto para quem deseja “dar em empréstimo” como para quem deseja emprestar e não quer lidar com as múltiplas burocracias bancárias. Ou, ainda, a quem teve a porta fechada nessas instituições.

Para você que ficou curioso ou interessado, alguns pontos principais:

1- Somente pessoas naturais (físicas) podem abrir as Empresas Simples de Crédito – portanto, uma pessoa jurídica não pode abrir uma empresa para isso. No entanto, não é preciso abrir a empresa sozinho (empresa individual ou EIRELI). É possível reunir sócios, desde que pessoas naturais, para abrir esse tipo de empresa (LTDA);

2- Por outro lado, não é possível ser sócio ou abrir mais de uma empresa simples de crédito. Não é possível, também, abrir filiais;

3- O objeto social da Empresa Simples de Crédito tem de ser exclusivamente a realização das operações que foram permitidas pela Lei para essa modalidade de empresa. Portanto, se você tem uma empresa atuante no mercado, por ora, é certo dizer que você não poderá cumular essas atividades. Entendemos, no entanto, que você poderá abrir uma empresa para essa finalidade, desde que não figure em outra dessa mesma modalidade;

4- O âmbito de operações da Empresa Simples de Crédito é municipal-distrital. Ou seja, você não poderá emprestar o seu dinheiro para fora da localidade onde a empresa for aberta. Assim, se você abrir uma empresa dessas em Ponta Grossa-PR, só poderá realizar suas operações com as empresas dessa cidade ou limítrofes;

5- Outra questão que precisa ficar clara é que: a abertura da empresa simples de crédito não permite que você saia emprestando para toda e qualquer pessoa. As operações da empresa deverão ser realizadas exclusivamente com microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP). Entende-se que isso tem uma razão bastante específica: a permissão desse tipo de empréstimo, tem por finalidade retirar o dinheiro que está parado e colocá-lo para circular no mercado, de uma maneira produtiva – ou seja, em negócios que estão precisando de investimentos (capital) para iniciar ou expandir sua atuação. Em resumo, não é que a agiotagem tenha sido liberada, muito pelo contrário;

6- A Empresa Simples de Crédito também está limitada à cobrança dos juros remuneratórios. Ou seja, não é possível, à símile do que as instituições financeiras fazem, transferir ao destinatário do crédito, taxas e outras cobranças. Isso, ao nosso ver, não significa que você não possa calcular e incluir, no juro remuneratório, as despesas das operações. Mas, ao final, ao celebrar a operação, a coisa deve permanecer tal qual o nome: simples, uma só remuneração. Se você se perguntou sobre juros moratórios, em caso de atraso nos pagamentos, teve uma boa dúvida. Isto não fica claro do texto da nova Lei. No entanto, ao nosso ver, como se tratam coisas diferentes – uma coisa é o juro remuneratório do próprio empréstimo; e outra são os eventuais juros moratórios (que decorrem do inadimplemento das obrigações assumidas) – entendemos que não faria sentido vedar isso. Entretanto, esse tema sobre juros moratórios pode, sim, levantar controvérsia;

7- Outra regra importante é sobre o dinheiro a ser emprestado. Como o intuito da Lei não é transformar as ESC’s em instituições financeiras, não é possível fazer aquilo que é chamado de captação de recursos. Em outras palavras, se a sua ideia era abrir a empresa e pegar o dinheiro de outras pessoas ou mesmo de empréstimos… bem, isso não deve dar certo. Ao contrário, a Lei previu isso como crime! Por outro lado, as pessoas podem ser suas sócias. Portanto, o capital social e o máximo de dinheiro que poderá ser emprestado pela ESC é exatamente a quantia que nela for investida. Ah, e claro, esse investimento tem que ser em moeda corrente nacional;

8- Com relação à segurança das operações, foi autorizado o uso da alienação fiduciária como garantia do pagamento. Ao nosso ver, isso é um acerto. Para quem teria medo de atuar nesse mercado devido ao risco de não pagamento do empréstimo… bom, você pode atuar exigindo como garantia a alienação fiduciária de algum imóvel, por exemplo. Com isso, em caso de inadimplemento, pelo menos você teria o bem para utilizar no pagamento da dívida – respeitando as regras inerentes a esse instituto;

9- O SEBRAE poderá auxiliar na criação e desenvolvimento das Empresas Simples de Crédito.

Em tudo há um porém. Estamos no Brasil e, claro, nem tudo é tão bom como deveria ser. É preciso pensar bem e colocar na ponta do lápis se valerá a pena abrir uma ESC. Afinal, não é possível apenas olhar o lado bonito da coisa e bater palmas. Dentre as burocracias que você terá que lidar, estão, por exemplo:

1- A necessidade de Registro das Operações em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, como condição de validade da operação. Ou seja, se não fizer, as operações seriam nulas. Isso impediria a cobrança judicial em caso de inadimplemento, a título de exemplo;

2- O acesso do Banco Central aos dados dessas operações registradas;

3- A Necessidade de manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais e transmitir a Escrituração Contábil Digital (ECD) por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped);

4- A necessidade de cumprir as inúmeras (são muitas mesmo!) obrigações previstas nos Artigos 10 e 11 da chamada Lei de Lavagem de Dinheiro;

5- A impossibilidade de optar pelo Simples Nacional;

6- A altíssima carga tributária, tendo que recolher IRPJ com base de cálculo em 38,4% sobre a receita bruta, além da CSLL.

A nossa conclusão é no sentido de que a possibilidade de criação das ESC’s é algo muito bem-vindo e que simplifica a possibilidade de concessão de crédito para fomentar negócios e, em geral, fomentar o empreendedorismo. Por outro lado, se a ideia era simplificar, permitir e estimular a circulação do dinheiro, algumas regras estipuladas vão totalmente na contramão dessa ideia, estabelecendo diversas burocracias que – similarmente ao que já ocorre em diversos outros âmbitos – são nada mais que transferências de obrigações dos entes públicos aos particulares, além de estabelecer uma carga tributária que não permite a adoção de taxas de remuneração mais atrativas aos destinatários dos créditos.

Assim, é ideal fazer simulações e calcular com bastante parcimônia o impacto financeiro da necessidade de atendimento destas diversas formalidades, sob pena de nulidades e cometimento de crimes, além da inclusão dos riscos da inadimplência, para se chegar ao que seria a real remuneração das operações de crédito. A partir dessa conta, é possível se calcular quanto precisaria ser o percentual de juros remuneratórios para que, ao final, descontada a pesada tributação, seja realmente lucrativo emprestar o dinheiro, com todos os riscos inerentes, em vez de simplesmente mantê-lo em investimentos isentos ou com tributação muito menos elevada. Também seria preciso ver se, ao final, os juros remuneratórios seriam juros competitivos em relação ao mercado tradicional de crédito.

Afinal, de que adiantaria retirar o seu suado dinheiro de um investimento seguro, por vezes isento, e passar a ter diversos transtornos, assumir obrigações, risco de cometer crimes e responder a sanções, pagar uma insana alíquota de tributos se, ao final, a remuneração real do dinheiro não compensar?

Todavia, existem alguns mercados específicos nos quais entendemos que as ESC’s poderão realmente atingir sua finalidade. A título de exemplos estão o mercado imobiliário de Construção por Administração – que pode usar essa ferramenta para atingir novos mercados –, a compra e venda de imóveis próprios e, sobretudo, o mercado do Agronegócio.

Este último, aliás, já possui uma prática totalmente informal, onde as empresas de comercialização de insumos acabam financiando e assumindo o risco da produção agrícola, por intermédio de verdadeiras operações de crédito, como “compras antecipadas de safra”, contratos de crédito rotativo com garantias pignoratícias, entre outros negócios. Nesses casos, por exemplo, as empresas que desejarem, poderão evitar a “mistura” do comércio de insumos com as operações de crédito,  com a criação de ESC’s exclusivamente para formalizar a concessão de crédito, mantendo a comercializadora de insumos sem estar sujeita a esses riscos.

Claro, repita-se, a viabilidade econômica precisa ser aferida e a decisão final está sempre na mão do empreendedor!

 

Dr. JEFFERSON WEGERMANN DE MATOS – OAB/PR 74.271

Advogado Especialista em Direito Civil e em Direito e Advocacia Empresarial.

 

 

OBS: Não desista de nenhum plano se alguns detalhes não parecem os melhores. A legislação é recente e somente será possível dizer se o sistema criado é inviável após simulações reais e, claro, a partir de algumas experiências. Em caso de maiores dúvidas e interesses, estamos à disposição para fazer um estudo mais específico e dirigido. Afinal, este artigo contém apenas algumas impressões gerais acerca do instituto. As vezes as melhores oportunidades estão disfarçadas.

OBS2: se você teve dúvidas, ideias ou percebeu algo que não vimos, não deixe de nos contatar para compartilharmos ideias.

 

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